CONTEXTUALIZAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO - UM RESUMO DO PROFETISMO

CONTEXTUALIZAÇÃO PARA A ÉPOCA DOS PROFETAS



De maneira resumida, há quatro temas que rodeiam toda a história de Israel e que são abordados pelos profetas, de forma explícita ou não. Antes, porém, há que mencionar que a fé de Israel estava totalmente corrompida. As confusões e sincretismos religiosos assolavam a verdadeira fé em Javé. A opressão aos pobres, as injustiças sociais, a corrupção generalizada eram somadas à queda religiosa. O pior de tudo é que Israel (tanto do RN quanto o RS) se vangloriava, dizendo-se povo escolhido por Deus. O pensamento era que Deus não podia lhe trazer castigo, pois era a nação preferida d’Ele. Os profetas surgiram justamente para desmontar essa falsa segurança religiosa e a tentativa de manipular Deus.

Os quatro temas, por trás dessa falsa segurança religiosa e da tentativa de manipular Deus, são: o êxodo, a aliança do Sinai, o Templo e o Dia de Javé (ou o Dia do Senhor, como aparece nas traduções bíblicas).



O ÊXODO



Um dos pilares da fé de Israel, o êxodo era tido como segurança religiosa. A confissão que atravessa todo o Antigo Testamento é:

“Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão.” (Ex. 20,2)


Essa, inclusive, é a fala de Deus antes de entregar os dez mandamentos ao povo. Esse milagre do êxodo encontra corpo em alguns salmos (135,8; 136,10-15) e na boca de “pagãos” como Raabe (Js 2,10). Apesar do valor teológico contido neste ato de libertação (pois ensina, por exemplo, como o povo de Israel deve ser generoso com os estrangeiros), ao longo do tempo houve uma manipulação do êxodo para “assegurar” certos “privilégios” por parte de Israel. O povo estava adorando a outros deuses, estava se corrompendo moral, ética e religiosamente. E mesmo com todas as advertências por parte dos profetas de que Deus traria o castigo à nação, o êxodo era usado como falsa segurança religiosa. Ou seja, é como se Deus estivesse de “mãos atadas” e nada pudesse fazer, pois Israel era seu povo escolhido.

exodo do egito


É Amós quem fala para o Reino do Norte uma das palavras mais duras e, inclusive, com ares de heresia:

Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes? diz o Senhor: Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito, e aos filisteus de Caftor, e aos sírios de Quir? (Am 9,7)



Amós estava neste texto comparando a libertação milagrosa (e considerada única e exclusiva) de Israel do Egito, com a libertação de seus inimigos filisteus e sírios. Amós está dizendo: “por que vocês estão confiando tanto no êxodo? Foi Deus quem nos libertou do Egito, mas também Ele libertou aos filisteus e aos sírios.”

Amós não nega que Deus tenha intervido no Egito; ao contrário, ele amplia e inclui outros países que foram libertos por Deus. Com isto, Amós quer fazer com que Israel pare com a bobagem de se assegurar na idéia de “povo escolhido”.

Para se ter uma noção das duras palavras de Amós, imagine que alguém nos diga hoje: “Não são vocês para mim como os demais cristãos? Se lhes enviei Jesus, aos muçulmanos enviei Maomé e aos budistas enviei Buda”.

Colocar Jesus a pé de igualdade de Maomé ou Buda é bem impactante para nós (e realmente não se tem como comparar Jesus com eles dois). Mas o que o profeta está querendo dizer com tudo isto não é ferir o sentimento dos israelitas, mas fazê-los entender que há uma verdade profunda nisto: que as confissões de fé. Os dogmas, são palavras totalmente vazias quando não se vive de acordo com elas. Ou seja, não adiantava Israel se gloriar no êxodo se sua vida nada tinha a ver com a libertação do Egito. Da mesma forma, a confissão de Jesus como “o Senhor” não nos salva automaticamente, mas unida a uma vida conforme com esta confissão.


A ALIANÇA DO SINAI



Da mesma forma que o evento do êxodo, a Aliança feita no Sinai constituía pilar da fé de Israel. A união feita no monte Sinai consistia em que Javé seria Deus de Israel e que Israel seria povo de Javé. Essa união ao longo do tempo passou a ser interpretada como privilégio, que garantia proteção contra qualquer ameaça. Apesar do AT insistir em que essa aliança seria quebrada se o povo não obedecesse aos dez mandamento, no povo persistia a ideia de um compromisso incondicional por parte de Deus.

alianca do sinai dez mandamento


Contra esta ideia, Amós, outra vez, se levanta para dizer que essa aliança não deve ser motivo para uma segurança nacional, mas para uma maior responsabilidade:

Ouvi esta palavra que o SENHOR fala contra vós, filhos de Israel, contra toda a família que fiz subir da terra do Egito, dizendo:
De todas as famílias da terra só a vós vos tenho conhecido; portanto eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades.
Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo? (Amós 3, 1-3)




O TEMPLO



O templo se diferencia, em relação ao êxodo e à aliança do Sinai, por não ser um dogma ou confissão de fé. É, porém, como lugar sagrado escolhido por Deus, uma confiança idolátrica, da mesma maneira que o êxodo e a aliança. A maior denúncia contra isto encontramos em Jeremias capítulo 7,1-15.

A palavra que da parte do SENHOR, veio a Jeremias, dizendo:
Põe-te à porta da casa do Senhor, e proclama ali esta palavra, e dize: Ouvi a palavra do Senhor, todos de Judá, os que entrais por estas portas, para adorardes ao Senhor.
Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras, e vos farei habitar neste lugar.
Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este.
Mas, se deveras melhorardes os vossos caminhos e as vossas obras; se deveras praticardes o juízo entre um homem e o seu próximo;
Se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses para vosso próprio mal,
Eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, desde os tempos antigos e para sempre.
Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos aproveitam.
Porventura furtareis, e matareis, e adulterareis, e jurareis falsamente, e queimareis incenso a Baal, e andareis após outros deuses que não conhecestes,
E então vireis, e vos poreis diante de mim nesta casa, que se chama pelo meu nome, e direis: Fomos libertados para fazermos todas estas abominações?
É pois esta casa, que se chama pelo meu nome, uma caverna de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o Senhor.
Mas ide agora ao meu lugar, que estava em Siló, onde, ao princípio, fiz habitar o meu nome, e vede o que lhe fiz, por causa da maldade do meu povo Israel.
Agora, pois, porquanto fazeis todas estas obras, diz o Senhor, e eu vos falei, madrugando, e falando, e não ouvistes, e chamei-vos, e não respondestes,
Farei também a esta casa, que se chama pelo meu nome, na qual confiais, e a este lugar, que vos dei a vós e a vossos pais, como fiz a Siló.
E lançar-vos-ei de diante de minha face, como lancei a todos os vossos irmãos, a toda a geração de Efraim. (Jr 7,1-15)


templo de salomao


Muito provavelmente esse discurso se deu no ano de 609 a.C., ou seja, quando Babilônia começou a subjugar Judá. Neste momento de incertezas e tensão, o povo começa a confiar no “Templo do Senhor” e crer que nada acontecerá. O povo rouba, mata, adultera, assassina e logo se refugia no “Templo do Senhor”. Deus não suporta essa mentalidade. Ele não se compromete com um espaço físico, e, sim, com uma forma de conduta ética e religiosa.  Se o povo não muda, Jerusalém e o Templo serão destruídos.



O DIA DO SENHOR



O “Dia do Senhor” não era considerado um dogma, mas uma tradição que surgiu com grande força em Israel. O “dia do Senhor” consistia em que Javé se manifestaria de forma grandiosa para exaltar seu povo e o colocar sobre todas as nações do mundo. Essa ideia causou falsa segurança no povo também. E é Amós quem fala contra esse dia, dando outro sentido a ele:

Ai daqueles que desejam o dia do Senhor! Para que quereis vós este dia do Senhor? Será de trevas e não de luz.
É como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se entrando numa casa, a sua mão encostasse à parede, e fosse mordido por uma cobra.
Não será, pois, o dia do Senhor trevas e não luz, e escuridão, sem que haja resplendor? (Am 5,18-20)


CONCLUSÃO



A mensagem do AT é muito mais profunda quando temos a perspectiva destes quatro temas aqui explicitados. Os profetas tiveram a árdua tarefa de trazer a mensagem de Deus a um povo que tinha tudo para dar certo.


***Esse texto teve como base o livro "Los profetas de Israel y su mensaje: Antología de textos" de José Luis Sincre

Marcus Menegatti é o autor do blog TEO E VIDA e bacharel em Teologia, formado na Faculdade Batista - Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. 

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