ORAÇÃO DO PAI NOSSO
ORAÇÃO DO PAI NOSSO
Reflexão baseada no livro "ABBA y el mensaje central del NT" de Joachim Jeremias.
Dois textos mostram Jesus ensinando a oração modelo do Cristianismo. Estes são:
"Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia nos dá hoje;
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores;
E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém." (Mt 6, 9-13)
"E aconteceu que, estando ele a orar num certo lugar, quando acabou, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos.
E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu.
Dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano;
E perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos deve, e não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do mal." (Lc 11, 1-4)
Antes de começar propriamente a análise do texto, é importante esclarecer quatro questões.
A primeira é que, na época de Jesus, haviam muitos grupos religiosos. Cada grupo religioso tinha sua própria forma de orar. Como se pode ver no texto de Lucas (vide grifo), João Batista tinha uma oração que caracterizava seus seguidores. Da mesma forma, os discípulos pediram que Jesus lhes ensinasse a oração característica deles. A oração diferenciava os grupos. Portanto, a oração ensinada por Cristo distinguia seus discípulos de outros grupos.
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A terceira é saber como a oração era feita originalmente pelos discípulos. Vemos claramente que há diferenças textuais entre o texto de Mateus e de Lucas. Então, qual seria a forma mais aproximada da oração proferida pela boca de Jesus? Joachim Jeremias responde (e aqui não há espaço para detalhar como ele chegou a esse resultado) esse questionamento com o seguinte texto:
santificado seja o Teu nome. [b]
Venha Teu Reino. [b]
Nosso pão para amanhã
dá-nos hoje. [c]
E perdoa-nos de nossas dívidas
assim como também nós, ao dizermos estas palavras, perdoamos a nossos devedores. [c]
E não nos deixes cair em tentação." [d]
A quarta questão é a estrutura da oração, dividida na seguinte forma:
[a] Invocação;
[b] Duas demandas em forma de desejo;
[c] Duas demandas em forma de petição;
[d] Petição final.
Esclarecidas as questões, voltemos ao texto (o proposto por Joachim Jeremias).
[a] Invocação
A oração começa com a palavra "Pai" ("Pai amado"). É interessante notar que, desde épocas anteriores a Moisés, os povos se referiam a seus deuses como "Pai". A invocação de "Pai" era algo muito comum na história da religiosidade humana. Os povos se referiam a seus deuses como "Pai magnânimo, criador de tudo".
No judaísmo, porém, não vemos o mesmo. A palavra "Pai" nos escritos do Antigo Testamento aparece apenas 14 vezes ("Pai" referindo-se a Deus, obviamente).
Apesar de judeu, Jesus se refere a Deus como "Pai', e não somente isso, mas como "Abba". A palavra usada, no hebraico, para "pai" é "Ab". Jesus, porém, usava "Abba", que significa algo mais infantilizado, pois se assemelha com o balbuceio de uma criança que apenas aprende a falar. No português seria algo parecido a "papá". Isto é, Jesus se referia a Deus como "Papá", algo totalmente inusitado e novo para a época.
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Devemos orar a Deus não como a alguém distante, mas como a alguém que quer o melhor para nós (assim como um pai quer fazer o melhor para seu filho, como em Mt 7, 11).
Que não somente nossa boca profira as palavras "Pai amado", "Abba", mas que nosso coração viva esta expressão todos os dias!
[b] Duas demandas em forma de desejo
Antigamente, toda a entronização de um monarca era acompanhada de duas coisas: homenagem com palavras e um gesto. Por exemplo:
"Senhores, eu aqui apresento à vos ..., o seu rei inquestionável. Portanto todos vocês estão vindo aqui hoje para fazer a sua homenagem e vassalaria, todos estão dispostos a fazer o mesmo?" (trecho retirado do Wikipedia).
Da mesma maneira, Jesus exalta seu Pai como Rei ("santificado seja Teu nome") e realiza o gesto ("venha Teu Reino").
Sabemos que, na época de Jesus, o mundo era dominado pelo império romano, que oprimia e escravizava o povo. Ao proferir estas palavras, Jesus está dizendo o seguinte: "Pai amado, liberte-nos desse império, reine sobre nós". É um grito desesperado de alguém que já não aguenta mais ver tanta violência, corrupção, falta de amor, que de padrões saudáveis etc. É um clamor pelo estabelecimento pelo Reino de Deus na terra. O mundo já não tem solução, a única alternativa que temos é que o Reino venha, que Deus dê um basta na situação.
Desta forma, ao pedirmos que o Reino venha, Deus faz o seguinte: disponibiliza o Reino a nós. Não sendo nós, porém, que vamos a ele, senão o Reino que vem até nós.
A pergunta que fica é: Como que o Reino vem até nós? Quais são suas características? Como podemos saber que estamos vivendo no Reino?
A resposta é mais simples do que parece: o Reino de Deus, na verdade, para nós, não é um lugar, mas um estilo de vida. No Reino de Deus não há espaço para ódio, guerra, rancor, corrupção, sofrimento, egoísmo. As leis do Reino são outras: amor, perdão, companheirismo, misericórdia, altruísmo e tudo aquilo que é bom.
Quando pedimos "venha o Teu Reino", estamos pedindo para viver sob as leis do Reino. Mesmo em um mundo corrompido, podemos viver as leis do Reino. Vivendo sob as leis de Deus, o mundo será transformado, consequentemente.
[c] Duas demandas em forma de petição
Essas duas petições começam com uma tradução que encontramos no texto bíblico, mas que, muito provavelmente, segundo J. Jeremias, era usado entre os cristão de língua aramaica.
"Dá-nos hoje o pão para amanhã". O pedido é para suprir não somente a nossa fome física, mas, também, nossa ansiedade.
Somos seres ansiosos por natureza e Deus o sabe. O pedido de Jesus é para que Deus supra nossa ansiedade dando hoje aquilo que precisaremos amanhã. Não devemos nos preocupar com o amanhã, pois Deus já deu um jeito. É Deus quem cuida de nós.
A segunda petição é: "e perdoa-nos de nossas dívidas, assim como também nós, ao dizermos estas palavras, perdoamos a nossos devedores".
Aqui Jesus quer dizer algo bem profundo: se você quer ser perdoado, perdoe. Se você não quer perdoar, então melhor nem clamar a Deus por perdão.
O primeiro ensinamento que está presente nesta parte da oração é a Lei da Retribuição. O mundo é regido por diversas leis, como as leis físicas (Lei de Newton, por exemplo) e leis químicas (Lei da conservação da matéria). Mas á também leis espirituais que regem nosso mundo. Uma delas é a Lei da Retribuição, que diz que só podemos ter aquilo que estamos dispostos a dar.
Se queremos amor, temos que amar. Se queremos ter muito dinheiro, devemos dar muito dinheiro. Se queremos ser tratados com respeito, devemos tratar com respeito. Se queremos ser perdoados, devemos perdoar. Devemos ser generosos, não somente financeiramente, mas também espiritualmente, oferecendo amor, perdão e misericórdia.
O segundo, e bem profundo, ensinamento é a própria essência do perdão.
Tenho plena certeza de que você estará de acordo comigo nessa questão: Deus nos perdoou mesmo quando nós O traímos , O insultamos e pecamos contra Ele. Mais do que isso: Deus nos perdoou e sempre esteve ABERTO a uma RELAÇÃO conosco.
Ou seja, a essência do perdão é estar aberto a um relacionamento com que nos fez dano.
ESTAR ABERTO. Se a pessoa que nos fez dano, e que foi perdoada por nós, aproximar-se para se relacionar conosco, devemos estar abertos para recebê-la com o perdão divino!
Essa parte é extremamente forte e chocante, pois geralmente pensamos: já perdoei fulano, mas não quero jamais voltar a vê-lo! Esta, porém, não é a essência do amor e do perdão de Jesus.
Se queremos nos parecer mais a Jesus, devemos colocar esse PERDÃO em prática!
[d] Petição Final
"E não nos deixes cair em tentação". Jesus termina a oração pedindo a Deus que não nos deixe cair em tentação. Apesar de Tiago falar: "não diga: sou tentado por Deus, porque Deus a ninguém tenta", Jesus está pedindo para que Deus nos proteja de cairmos em tentação. A tentação virá para tentar destruir tudo aquilo que pedimos na oração. Ou seja, que não vejamos a Deus como Pai, que não vivamos o Reino, que as preocupações do amanhã tomem conta do nosso coração, que não perdoemos etc.
Devemos pedir, portanto, proteção a Deus e que Ele nos forneça as ferramentas necessárias para não cairmos em tentação. Em outras palavras, "Pai, nos proteja de estragarmos tudo".
Conclusão
Concluindo, Mateus encerra a oração com a seguinte doxologia: "pois Teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém". Quer dizer, "Pai, só fazemos essa oração porque tudo é Teu e só tu podes fazer tudo isto na nossa vida".
Desta forma, aprendemos 5 lições valiosas de uma oração tão singular e especial, e que, ao longo do tempo, a religião fez cair na rotina e perder o maravilhoso significado.
1 - Devemos nos dirigir a Deus como a um Pai, com amor, simplicidade, reverência, dependência, confiança, tal qual uma criança.
2 - Devemos pedir-Lhe que seja implantado o Reino na nossa vida, para que possamos viver sob Suas leis.
3 - Não devemos estar ansiosos com nossas vidas, porque Deus já nos deu hoje tudo aquilo que precisamos para amanhã.
4 - Devemos estar dispostos a viver a Lei da Retribuição: se queremos perdão, devemos perdoar. E se perdoamos, devemos ESTAR ABERTOS a uma relação com quem nos feriu.
5 - Devemos pedir a Deus que nos proteja para que não estraguemos tudo, e possamos viver de acordo com tudo aquilo que pedimos na oração.
Marcus Menegatti é o autor do blog TEO E VIDA e bacharel em Teologia, formado na Faculdade Batista - Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.
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